O desastre de Mariana é um caso exemplar para discutir a
qualidade de nossos planos de recuperação de desastres.
Nos anos 70 e 80, o termo mais utilizado no Brasil era Plano
de Contingência. Expressão em que cabia todos os tipos de respostas a
incidentes indesejados e era largamente empregado na forças armadas e nas
empresas petrolíferas. Nos Estados Unidos no DRII, Disaster Recovery Institute
International, com sede em St. Louis nos EUA, que tratava tanto de desastres naturais
como desastres corporativos era utilizado o nome de Plano de Recuperação de
Desastres, de forma genérica, não sendo adotado o termo contingência para este
tipo de plano.
Nos anos 90 o DRII passou a utilizar a denominação de Planos
de Continuidade de Negócios por considerar que a palavra continuidade melhor
definia os objetivos de um plano de resposta a desastre. Os desastres, de
causas naturais, ficaram excluídos do
conceito de Planos de Continuidade de Negócio e para estes o antigo nome se
aplicava. No Brasil, a denominação Planos de Continuidade passou a ser
utilizada em maior escala quando o Banco Central exigiu este tipo de gestão,
com este nome, para fazer frente ao "bug do milênio".
No novo milênio, Disaster Recovery passou a ser também,
equivocadamente, utilizado para tratar da recuperação do ambiente de tecnologia
de informação das empresas, planos estes que disputavam os orçamentos com os
Planos de Continuidade de Negócios. Este
reaproveitamento da palavra desastre na área de tecnologia de informação foi
decorrente de uma visão simplista do conceito de continuidade de negócios, uma
vez que o ambiente de TI não pode ser tratado desassociado dos negócios, mas
ainda assim este termo vingou neste meio.
Hoje temos os Planos de Contingência, Planos de Recuperação
de Desastres, Planos de Continuidade de Negócio, Planos de Resposta
Emergencial, dentre outros disputante um mesmo espaço. Conceitualmente, a
estrutura de todos estes tipos de planos se baseiam na prevenção dos desastres,
na resposta emergencial, e num plano de continuidade operacional. O nome e o
peso de cada parte pode variar em função do seu ambiente, mas o conceito é o
mesmo e caso ele seja bem estruturado, a nomenclatura é o que menos importa.
Todos estes planos ao serem construídos tem como premissa
alguns pressupostos. Por exemplo, num plano empresarial pode ser considerado como
pressuposto que haverá pessoal qualificado em quantidade suficiente para que os
processos alternativos sejam executados. Outra premissa usual é que os dados
vitais estarão íntegros e em condição de serem utilizados após o desastre (um
banco, por exemplo, não tem como sobreviver caso perca seus dados sobre contas
correntes e de investimentos). Os pressupostos precisam ser garantidos, e as
empresas tem que fazer por onde para que eles possam ser factíveis e confiáveis.
Ao tratarmos de desastres ambientais alguns pressupostos
também tem que ser assumidos. Um deles, por exemplo, pode ser o de que o
sistema de alerta irá funcionar. Na estruturação dos procedimentos de resposta deste
tipo de incidente devem estar contemplados os procedimentos de resposta
emergencial, nas primeiras horas, e os procedimentos de mitigação compatíveis
com o caso tratado. Em Mariana, pelas informações divulgadas na mídia, podemos
considerar que não havia um plano de resposta compatível com o colapso de uma
barragem. Os procedimentos de resposta, de contenção e mitigação dos impactos
que pudemos conhecer foram ineficientes.
O desenvolvimento de planos de resposta a desastre é um
trabalho que exige método, e constante aperfeiçoamento. Infelizmente, isto
parece que não foi adotado pelos agentes envolvidos na ruptura da represa em
Mariana. O resultado foi desastroso e os procedimentos de resposta que foram
implementados parecem ser casuísticos, não planejados e não suportados pelos
devidos e necessários recursos técnicos e humanos. Acrescente-se que o a
exposição da população a este tipo de desastre também implica numa
responsabilidade das autoridades. A Samarco foi incapaz de responder a este
colapso, e o governo do Estado de Minas também foi incapaz de proteger a
população exposta. A existência de vilarejos exatamente no caminho das águas ou
rejeitos de uma represa por si só é inaceitável e demonstra a fragilidade dos
procedimentos preventivos.
Pela nossa experiência de desenvolvimentos de trabalhos de
gestão de risco e de gestão de resposta a desastres a Samarco não errou apenas na má gestão do incidente. Os erros começaram muito antes.
Temos muito trabalho a fazer para que desastres deste tipo tenham sua possibilidade de ocorrência e consequências diminuídas ao mínimo.
Temos muito trabalho a fazer para que desastres deste tipo tenham sua possibilidade de ocorrência e consequências diminuídas ao mínimo.
O leite está derramado, só nos resta aprender com os erros.
Um comentário:
Boa abordagem. Ponto importante é quanto à existência de um ou mais adensamentos populacionais no caminho do derramamento da barragem. Uma análise de risco deve avaliar a vulnerabilidade e a ameaça, R=V*A. Neste caso, a vulnerabilidade era total. Além, de não haverem procedimentos de alerta para comunicação do acidente. Ou seja, o risco não foi adequadamente estimado e avaliado, bem como no gerenciamento de risco não estavam previstos procedimentos para as consequências do mesmo.
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